quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A DIVERSIDADE COMO PRINCIPIO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: QUAIS OS DESAFIOS?

A ênfase dada à diversidade é uma constatação que pode ser feita tanto nas proposições políticas como na preocupação cientifica, na década de 1990. Para Sacristán (2002), essa sensibilidade para com a diversidade não é algo novo em educação, como não o é na filosofia, na política e no pensamento ocidental.
Diversidade é um termo ambíguo, pois possui uma multiplicidade de significados. Assim, os sistemas de ensino e as escolas devem buscar explicitá-lo, para evitar os riscos dessa ambigüidade e direcionar as potencialidades desse conceito para o que de fato interessa: a aprendizagem do aluno. A referência à diversidade está presente, atualmente, tanto nas políticas públicas como na produção científica, relacionada às estratégias usadas na educação especial, assim como às demandas dos movimentos e grupos sociais que lutam pelo reconhecimento e valorização da sua identidade.
O conceito de diversidade, como afirma Sacristán (2002), está relacionado com as aspirações dos povos e das pessoas à liberdade para exercer sua autodeterminação. Está ligado ainda à aspiração de democracia e à necessidade de administrar coletivamente realidades sociais que são plurais e de respeitar as liberdades básicas. A diversidade é também vista como uma estratégia para adaptar o ensino aos estudantes.
No contexto das políticas públicas educacionais, a diversidade surge como uma questão de direito, constituindo uma forma de entender a educação, ao tempo em que alimenta os seus objetivos, a organização das instituições escolares e a estrutura do próprio sistema de ensino. A diversidade age no sentido de orientar e organizar a prática educativa, dotando-a de conteúdos e de uma visão critica para entender a cultura, a sociedade e os vínculos sociais que a constroem. A diversidade é, pois, uma cultura que a educação é solicitada a tornar possível. 
A diversidade também é uma cultura a ser construída e representa uma visão de como se deve pensar, planejar e organizar a educação para a melhoria da sociedade. O respeito e o reconhecimento da diversidade é um dos princípios fundamentais na construção de um sistema educacional inclusivo. Reconhecer o direito à diversidade em educação é dar respostas às diferentes necessidades educacionais que os sujeitos apresentam diante do fato educativo. A diversidade e a cidadania são princípios que devem estar presentes na construção de um projeto educacional inclusivo, impregnando a formulação e implementação das políticas traçadas para os sistemas de ensino.
O respeito à diversidade é uma forma de garantir que a cidadania seja exercida e os vínculos sociais fortalecidos. Trata-se de uma atitude política para com a diversidade gerada pelas diferenças de classe, gênero, etnia, opção sexual, capacidades, enfim, de atributos que fazem parte da identidade pessoal e definem a condição do sujeito na cultura e na sociedade. O desenvolvimento de atitudes de tolerância e respeito à diversidade tem a ver com o direito à educação, o direito à igualdade de oportunidades e o direito à participação na sociedade. Por isso mesmo, representa um grande desafio a ser enfrentado pelos sistemas de ensino na construção das suas bases político-pedagógicas.
O maior dos desafios que a diversidade põe à educação consiste na construção de um projeto compartilhado por todos, que simultaneamente contemple e respeite as diferenças particulares dos indivíduos. O problema é que trabalhamos com sujeitos diversos – e assim os queremos –, embora as instituições, os currículos e os métodos educacionais tendam a ser homogeneizantes, fato que historicamente marca a educação institucionalizada. Encarar esse desafio supõe compreender que a diversidade, a variedade, a heterogeneidade e a individualização expressam fatos e desejos, representando uma essencial manifestação da liberdade necessária a instituições coletivas – como a escola.
Assim, a consideração da diversidade deve impregnar todos os atos educacionais, desde o modo como analisamos a educação, para tentar entender seus objetivos, abordar os conteúdos do currículo, os métodos pedagógicos, a organização das instituições escolares, até as bases político-pedagógicas da estrutura do sistema educacional. A partir desse entendimento, o grande desafio a ser encarado pelos sistemas de ensino é construir uma escola que assegure a igualdade e contemple as diferenças particulares de indivíduos e coletividades.

COMO A ESCOLA PODE CONSTITUIR UM ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA E DE REAFIRMAÇÃO DE DIREITOS?
O tema da convivência na escola inquieta educadores e tem uma relação estreita com o respeito à diversidade e com a reafirmação dos direitos fundamentais. O aumento de vários tipos de violência, de intolerância e de discriminação bem como o reconhecimento social desse quadro obrigam-nos a repensar a escola como um espaço de convivência e de reafirmação de direitos, observando o tratamento que ela vem dando a questões como relações raciais, relações de gênero, bem como o respeito à livre orientação sexual e à identidade de gênero. Esse reconhecimento conta com a contribuição do avanço do debate sobre os direitos humanos feito pelos movimentos sociais.
De fato, a relação entre educação e diversidade não é tema novo. Novo é o reconhecimento de que há uma urgência de se passar dos debates acadêmicos e propositivos formais para o terreno das políticas públicas, das ações. Nesse sentido, a UNESCO, há mais de 10 anos, vem contribuindo bastante para o desenvolvimento de uma linha de ação que incentiva a realização de pesquisas, publicações e programas nessa área. Além disso, o debate sobre o multiculturalismo e educação domina os fóruns sociais, na Comunidade Européia e em paises como Estados Unidos. O Brasil se destaca, no plano da academia, por pesquisas importantes sobre relações raciais e sobre gênero.
Mas, como educar para a igualdade, se a temática da diversidade está fora da agenda escolar? Se os educadores são frutos de uma educação conservadora, discriminatória, e não se sentem preparados para tratar tais temas, que se cristalizaram na cultura como verdadeiros tabus, a exemplo da questão homossexual? A iniciativa de governos anteriores de enfrentar tal hiato, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, foi importante, porém mal digerida, em decorrência da não participação da comunidade escolar de base na sua elaboração. Essa proposta chegou de forma verticalizada nas escolas, o que resultou em sua pouca incorporação à atividade pedagógica real dos educadores.
Contra uma cultura de violência, baseada na marginalização do outro, tido como diferente, inferior, faz-se necessário persistir na construção social de uma cultura da diversidade, tendo a escola pública de qualidade como principal indutor dessa construção.[1] Essas são questões que temos o dever de resolver, se não quisermos perpetuar a cultura da violência, que inclui a violência simbólica – aquela que se pauta por negação de sujeitos, histórias e singularidades e se reproduz de forma subliminar, inclusive por cumplicidade das vitimas, inconscientes da sua condição de subjugadas.[2]
É preciso levar em conta que vivemos numa sociedade historicamente determinada. Uma sociedade que teve a sua gênese marcada por relações de dominação racial explícita, colonialismo, escravismo e patriarcado, que se ergueu pela afirmação do poder masculino, hetero e branco. A cultura racista, machista e homofóbica se naturalizou no imaginário coletivo e, por mais avanços que tenham ocorrido ao longo dos anos, ainda é hegemônica.


[1] Ver, sobre o tema, várias pesquisas sobre escola e juventude, coordenadas por Castro e Abramovay e publicadas pela UNESCO no Brasil, entre 1999 a 2006.
[2] Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Russel, 2001. Ver, entre outros: Abramovay, Miriam (coord.). Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: UNESCO-MEC, 2006; Castro, Mary e Abramovay, Miriam (coord.). Relações Raciais nas Escolas: a reprodução da Desigualdade em nome da Igualdade. Brasília: UNESCO/MEC, 2006. 

Há de se considerar que a escola não é uma ilha. Ela sofre o impacto das violências exógenas que se realizam no seu entorno e também produz suas próprias violências, especialmente a violência simbólica. A negação de identidades – ou a discriminação das pessoas pela sua orientação sexual, ou pela cor da pele, entre outras variáveis – constitui uma violação dos direitos humanos, uma grave violência simbólica.
Por isso, não se deve abdicar de buscar o avanço das relações sociais e de realizar ideais que a república ainda nos deve. Igualdade, liberdade e fraternidade foram a consigna da Revolução Francesa e ainda estão longe de serem efetivados para a grande maioria dos povos, mesmo dos países que seguiram os passos da mais marcante revolução burguesa da história. São ideais que inspiraram a Carta dos Direitos Humanos de 1948.
Giuseppi Tosi[1], analisando as diversas dimensões que envolvem os direitos humanos, analisa, também, a dimensão educativa, destacando três aspectos essenciais:
  • Afirmar que os direitos humanos são direitos “naturais”, que as pessoas “nascem” livres e iguais, não significa afirmar que a consciência dos direitos seja algo espontâneo.
  • O homem é um ser, ao mesmo tempo, natural e cultural, que deve ser “educado” pela sociedade.
  • A educação para a cidadania constitui, portanto, uma das dimensões fundamentais para a efetivação dos direitos, tanto na educação formal, quanto na educação informal ou popular e nos meios de comunicação. 
Nessa perspectiva, é preciso que na formulação e implementação de políticas educacionais sejam assegurados os meios necessários para que a escola possa tornar-se um espaço de convivência, de construção de vínculos sociais positivos e de reafirmação de direitos. Por isso, a escola é desafiada a ressignificar sua função social, ou seja, construir uma práxis educativa compreendendo a sua complexidade e partindo do principio de que todos são sujeitos de direitos.



[1] Giuseppe Tosi é filosofo doutor pela Universidade de Padova e pós-doutor pela Universidade de Firenze. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba e tem várias publicações sobre a temática dos direitos humanos.




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