A ênfase dada à diversidade é uma constatação que pode ser feita tanto nas proposições políticas como na preocupação cientifica, na década de 1990. Para Sacristán (2002), essa sensibilidade para com a diversidade não é algo novo em educação, como não o é na filosofia, na política e no pensamento ocidental.
Diversidade
é um termo ambíguo, pois possui uma multiplicidade de significados.
Assim, os sistemas de ensino e as escolas devem buscar explicitá-lo,
para evitar os riscos dessa ambigüidade e direcionar as potencialidades
desse conceito para o que de fato interessa: a aprendizagem do aluno. A
referência à diversidade está presente, atualmente, tanto nas políticas
públicas como na produção científica, relacionada às estratégias usadas
na educação especial, assim como às demandas dos movimentos e grupos
sociais que lutam pelo reconhecimento e valorização da sua identidade.
O conceito de diversidade,
como afirma Sacristán (2002), está relacionado com as aspirações dos
povos e das pessoas à liberdade para exercer sua autodeterminação. Está
ligado ainda à aspiração de democracia e à necessidade de administrar
coletivamente realidades sociais que são plurais e de respeitar as
liberdades básicas. A diversidade é também vista como uma estratégia para adaptar o ensino aos estudantes.
No contexto das políticas públicas educacionais, a diversidade
surge como uma questão de direito, constituindo uma forma de entender a
educação, ao tempo em que alimenta os seus objetivos, a organização das
instituições escolares e a estrutura do próprio sistema de ensino. A diversidade
age no sentido de orientar e organizar a prática educativa, dotando-a
de conteúdos e de uma visão critica para entender a cultura, a sociedade
e os vínculos sociais que a constroem. A diversidade é, pois, uma cultura que a educação é solicitada a tornar possível.
A diversidade também é uma cultura
a ser construída e representa uma visão de como se deve pensar,
planejar e organizar a educação para a melhoria da sociedade. O respeito
e o reconhecimento da diversidade é um dos princípios fundamentais na construção de um sistema educacional inclusivo. Reconhecer o direito à diversidade em educação é dar respostas às diferentes necessidades educacionais que os sujeitos apresentam diante do fato educativo. A diversidade
e a cidadania são princípios que devem estar presentes na construção de
um projeto educacional inclusivo, impregnando a formulação e
implementação das políticas traçadas para os sistemas de ensino.
O respeito à diversidade
é uma forma de garantir que a cidadania seja exercida e os vínculos
sociais fortalecidos. Trata-se de uma atitude política para com a diversidade
gerada pelas diferenças de classe, gênero, etnia, opção sexual,
capacidades, enfim, de atributos que fazem parte da identidade pessoal e
definem a condição do sujeito na cultura e na sociedade. O
desenvolvimento de atitudes de tolerância e respeito à diversidade
tem a ver com o direito à educação, o direito à igualdade de
oportunidades e o direito à participação na sociedade. Por isso mesmo,
representa um grande desafio a ser enfrentado pelos sistemas de ensino
na construção das suas bases político-pedagógicas.
O maior dos desafios que a diversidade
põe à educação consiste na construção de um projeto compartilhado por
todos, que simultaneamente contemple e respeite as diferenças
particulares dos indivíduos. O problema é que trabalhamos com sujeitos
diversos – e assim os queremos –, embora as instituições, os currículos e
os métodos educacionais tendam a ser homogeneizantes, fato que
historicamente marca a educação institucionalizada. Encarar esse desafio
supõe compreender que a diversidade,
a variedade, a heterogeneidade e a individualização expressam fatos e
desejos, representando uma essencial manifestação da liberdade
necessária a instituições coletivas – como a escola.
Assim, a consideração da diversidade
deve impregnar todos os atos educacionais, desde o modo como analisamos
a educação, para tentar entender seus objetivos, abordar os conteúdos
do currículo, os métodos pedagógicos, a organização das instituições
escolares, até as bases político-pedagógicas da estrutura do sistema
educacional. A partir desse entendimento, o grande desafio a ser
encarado pelos sistemas de ensino é construir uma escola que assegure a
igualdade e contemple as diferenças particulares de indivíduos e
coletividades.
COMO A ESCOLA PODE CONSTITUIR UM ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA E DE REAFIRMAÇÃO DE DIREITOS?
O tema da convivência na escola inquieta educadores e tem uma relação estreita com o respeito à diversidade
e com a reafirmação dos direitos fundamentais. O aumento de vários
tipos de violência, de intolerância e de discriminação bem como o
reconhecimento social desse quadro obrigam-nos a repensar a escola como
um espaço de convivência e de reafirmação de direitos, observando o
tratamento que ela vem dando a questões como relações raciais, relações
de gênero, bem como o respeito à livre orientação sexual e à identidade
de gênero. Esse reconhecimento conta com a contribuição do avanço do
debate sobre os direitos humanos feito pelos movimentos sociais.
De fato, a relação entre educação e diversidade
não é tema novo. Novo é o reconhecimento de que há uma urgência de se
passar dos debates acadêmicos e propositivos formais para o terreno das políticas
públicas, das ações. Nesse sentido, a UNESCO, há mais de 10 anos, vem
contribuindo bastante para o desenvolvimento de uma linha de ação que
incentiva a realização de pesquisas, publicações e programas nessa área.
Além disso, o debate sobre o multiculturalismo e educação domina os
fóruns sociais, na Comunidade Européia e em paises como Estados Unidos. O
Brasil se destaca, no plano da academia, por pesquisas importantes
sobre relações raciais e sobre gênero.
Mas, como educar para a igualdade, se a temática da diversidade
está fora da agenda escolar? Se os educadores são frutos de uma
educação conservadora, discriminatória, e não se sentem preparados para
tratar tais temas, que se cristalizaram na cultura como verdadeiros
tabus, a exemplo da questão homossexual? A iniciativa de governos
anteriores de enfrentar tal hiato, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
foi importante, porém mal digerida, em decorrência da não participação
da comunidade escolar de base na sua elaboração. Essa proposta chegou de
forma verticalizada nas escolas, o que resultou em sua pouca
incorporação à atividade pedagógica real dos educadores.
Contra
uma cultura de violência, baseada na marginalização do outro, tido como
diferente, inferior, faz-se necessário persistir na construção social
de uma cultura da diversidade, tendo a escola pública de qualidade como principal indutor dessa construção.[1]
Essas são questões que temos o dever de resolver, se não quisermos
perpetuar a cultura da violência, que inclui a violência simbólica –
aquela que se pauta por negação de sujeitos, histórias e singularidades e
se reproduz de forma subliminar, inclusive por cumplicidade das
vitimas, inconscientes da sua condição de subjugadas.[2]
É
preciso levar em conta que vivemos numa sociedade historicamente
determinada. Uma sociedade que teve a sua gênese marcada por relações de
dominação racial explícita, colonialismo, escravismo e patriarcado, que
se ergueu pela afirmação do poder masculino, hetero e branco. A cultura
racista, machista e homofóbica se naturalizou no imaginário coletivo e,
por mais avanços que tenham ocorrido ao longo dos anos, ainda é
hegemônica.
[1]
Ver, sobre o tema, várias pesquisas sobre escola e juventude,
coordenadas por Castro e Abramovay e publicadas pela UNESCO no Brasil,
entre 1999 a 2006.
[2] Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Russel, 2001. Ver, entre outros: Abramovay, Miriam (coord.). Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: UNESCO-MEC, 2006; Castro, Mary e Abramovay, Miriam (coord.). Relações Raciais nas Escolas: a reprodução da Desigualdade em nome da Igualdade. Brasília: UNESCO/MEC, 2006.
Há
de se considerar que a escola não é uma ilha. Ela sofre o impacto das
violências exógenas que se realizam no seu entorno e também produz suas
próprias violências, especialmente a violência simbólica. A negação de
identidades – ou a discriminação das pessoas pela sua orientação sexual,
ou pela cor da pele, entre outras variáveis – constitui uma violação
dos direitos humanos, uma grave violência simbólica.
Por
isso, não se deve abdicar de buscar o avanço das relações sociais e de
realizar ideais que a república ainda nos deve. Igualdade, liberdade e
fraternidade foram a consigna da Revolução Francesa e ainda estão longe
de serem efetivados para a grande maioria dos povos, mesmo dos países
que seguiram os passos da mais marcante revolução burguesa da história.
São ideais que inspiraram a Carta dos Direitos Humanos de 1948.
Giuseppi Tosi[1], analisando as diversas dimensões que envolvem os direitos humanos, analisa, também, a dimensão educativa, destacando três aspectos essenciais:
- Afirmar que os direitos humanos são direitos “naturais”, que as pessoas “nascem” livres e iguais, não significa afirmar que a consciência dos direitos seja algo espontâneo.
- O homem é um ser, ao mesmo tempo, natural e cultural, que deve ser “educado” pela sociedade.
- A educação para a cidadania constitui, portanto, uma das dimensões fundamentais para a efetivação dos direitos, tanto na educação formal, quanto na educação informal ou popular e nos meios de comunicação.
Nessa perspectiva, é preciso que na formulação e implementação de políticas
educacionais sejam assegurados os meios necessários para que a escola
possa tornar-se um espaço de convivência, de construção de vínculos
sociais positivos e de reafirmação de direitos. Por isso, a escola é desafiada a ressignificar sua função social, ou seja, construir uma práxis educativa compreendendo a sua complexidade e partindo do principio de que todos são sujeitos de direitos.
[1] Giuseppe
Tosi é filosofo doutor pela Universidade de Padova e pós-doutor pela
Universidade de Firenze. Atualmente é professor adjunto da Universidade
Federal da Paraíba e tem várias publicações sobre a temática dos
direitos humanos.
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